Direito, complexidade e reducionismo

É muito comum ouvir falar em “sistema do Direito” ou ler sobre o “sistema jurídico”. Muitos se referem à “complexidade” do sistema jurídico e dizem que o Direito é um sistema complexo.

Normalmente, os termos “sistema” e “complexidade” são usados com seu significado corrente. “Sistema” é utilizado como conjunto de elementos com certa unidade e harmonia estrutural. “Complexo”, no sentido de complicado, intrincado, difícil.

Diante da complexidade do fenômeno jurídico, muitos recomendam um procedimento redutor: deve-se isolar o Direito, estudando apenas as normas jurídicas. Esse isolamento reducionista seria condição necessária para compreender um sistema complexo como o jurídico.

Nas últimas décadas, a partir do estudo dos sistemas complexos, desenvolveu-se a Complexity Science, ciência da complexidade. Um de seus fundamentos básicos é considerar o método redutor inadequado para a compreensão dos sistemas complexos. Tentar isolar um sistema complexo do seu meio para fins de estudo pode ser um grave erro. O isolamento rompe a cadeia de interações e retroações responsável pelas qualidades emergentes do sistema – aquelas propriedades que apenas emergem no todo. Separar é eliminar a emergência e, com isso, perder a qualidade que deveria ser compreendida. Com a perda das relações, não se conhece o significado que cada elemento do sistema só tem em função das suas interações com os outros elementos e com o meio, e que pode se modificar em novas interações.

Enquanto muitos juristas sustentam que, diante da complexidade do sistema jurídico, o método científico deve ser o reducionismo, grande parte dos cientistas de outras áreas afirma o contrário: diante da complexidade de um sistema, o método científico não pode ser o reducionismo! Ao mesmo tempo, porém, não pode ser holista: o holismo embaça a compreensão das especificidades, individualidades e a diversidade das manifestações jurídicas que se multiplicam no tempo e no espaço.

O desafio, portanto, está em compreender o Direito em sua complexidade, para além do reducionismo e do holismo.

André Folloni

Publicidade
Publicado em Direito e complexidade | Marcado com , , , , , , | Deixe um comentário

Um espaço para a teoria da complexidade: entre o pouco e o infinito

As Ciências da Complexidade trabalham em sistemas que se localizam numa espécie de meio-termo entre as interações entre poucos elementos (bilaterais, por exemplo) e entre as interações muitos de elementos.

Interações de poucos agentes, como as interações em duplas, são analisadas por teorias como a teoria dos jogos. Em interações de muitos agentes, o exame é da totalidade das interações e dispensa atenção a agentes específicos e a suas peculiaridades, podendo-se partir de uma “média” das qualidades homogêneas dos agentes. É o caso da Análise Econômica do Direito (os agentes são racionais, auto-interessados etc.).

As teorias da complexidade exploram o meio-termo, no qual há agentes demais para serem examinados, inviabilizando o estudo de todas as ações e reações potenciais (possível nos modelos de interação bilateral), mas a qualidade dos agentes é importante demais para que sejam todos tratados de forma homogênea pela pesquisa do comportamento médio (possível nos modelos de interação entre agentes infinitos).

Essas ideias aparecem no livro de John Miller e Scott Page (Complex adaptive systems: an introduction to computational models for social life, p. 221).

André Folloni

Publicado em Ciências da Complexidade | Marcado com , , | Deixe um comentário

Evolução

Supor que um sistema adaptativo aprende com a experiência e com os erros é diferente de supor que, por isso, sua forma posterior será sempre evoluída em relação à anterior exatamente porque traria consigo esse aprendizado. Para que a suposição desse ganho de qualidade pudesse ser absoluta, uma espécie de metafísica hegeliana precisaria estar subjacente. Ela não considera, porém, os problemas do esquecimento e da ignorância. Nem sempre o momento posterior tem consciência do anterior e deixará de cometer os mesmos erros e também, nem sempre, o momento posterior recordará os erros anteriores de forma eficaz o suficiente para os evitar.

André Folloni

Publicado em Categorias da complexidade, Complex Adaptive Systems | Marcado com , | Deixe um comentário

WCSA VI Conference

Saiu a chamada de artigos para a VI Conferência da World Complexity Science Academy – WCSA

wcsa (2)

Clique para acessar o WCSA-2015-03-03.pdf

Publicado em Sem categoria | Marcado com , , , | Deixe um comentário

Estrutural e processual

A ciência do direito é uma ciência “processual”, no sentido de que o direito está vivo e em processo de evolução e adaptação. Há mecanismos de evolução que são conhecidos (processo legislativo, p. ex.) e outros que ainda são obscuros (novas interpretações, p. ex.). Assim, se há um estrutural no direito que é relativamente duradouro (Estado com três poderes, uso de sanção etc.), também há um devir que é relativamente fugaz.

O desafio é lidar com essa fugacidade com pretensões de cientificidade, e isso depende – evidentemente – de um conceito de ciência.

Quem trata a ciência apenas como o conhecimento do que é permanente, do que obedece a leis imutáveis, da regularidade, do que se repete e, portanto, envolvendo determinação e previsibilidade, entenderá que a ciência do direito só pode ser ciência se se voltar apenas para o estrutural. Quem, por outro lado, admite no âmbito da ciência não só a regularidade mas também a irregularidade, a mutabilidade, o “evento” (Prigogine), o irregular, o irreversível, o instável etc., admitirá também como possível se manifestar com pretensões de cientificidade sobre o que há de contingente no jurídico.

Nesse caso, um dos caminhos é considerar científico não só o que estabelece leis – em formalismo matemático ou análogo – que podem ser testadas em experiências futuras, mas também o que lida com o irrepetível, desde que com racionalidade e sem dogmatismo. E aí o científico depende do que se considera racional e não dogmático.

André Folloni

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

Contingência

Sistemas complexos são caracterizados pela contingência: há muitas opções de ação, não se pode prever qual será tomada, embora uma precise ser, e impossível saber o que vai dar no longo prazo quando tomamos atitudes agora. Assim, por exemplo: se hoje um tributo é aumentado porque o governo precisa arrecadar (PIS/COFINS-Importação, só para ficar no exemplo dos últimos dias), quem garante que, realmente, a arrecadação virá?

O sistema econômico é um sistema complexo, formado por interações de muitas variáveis no tempo e no espaço. Pode ser que a arrecadação aumente, mas também pode ser que, com a alta do preço, as pessoas importem menos e, com isso, a arrecadação diminua.

Ser consciente dessa contingência é um primeiro passo para não se fazer um raciocínio simplista, como “aumentou o tributo, aumentou a arrecadação”.

Levar em conta a complexidade seria pesquisar todas as variáveis relevantes para determinar como esse aumento de tributo se comporta no ambiente socioeconômico, inclusive no tempo. A verificabilidade dessa pesquisa poderia bem ser a empírica clássica, sem maiores problemas, talvez, apenas, com alguma adaptação.

Mesmo assim, é claro que teremos incerteza, porque nunca poderemos estar seguros que uma variável relevante não foi acidentalmente desprezada, mas isso é próprio de qualquer pesquisa científica, complexa ou não, em qualquer área, inclusive na biologia, na física etc.

Enfim, se a pesquisa se volta a efeitos econômicos e sociais do Direito Tributário, na minha opinião, é impossível trabalhar sem levar em conta a complexidade das interações entre esses sistemas, e isso significa romper os limites da Dogmática Jurídica clássica.

André Folloni

 

 

 

Publicado em Categorias da complexidade, Direito e complexidade | Marcado com , , , | Deixe um comentário

Ainda o reducionismo no Direito

Há alguns problemas que uma compreensão reducionista do Direito enfrenta. Dois deles são os seguintes:

Em primeiro lugar, as emergências desafiam compreensões mais amplas quando se está diante de sistemas complexos. Pode-se compreender “emergências”, ao menos, de duas formas (John Holland, Complexity): propriedades do sistema que não estão presentes ao nível das suas partes (a “liquidez” da água não está presente em suas moléculas); ou propriedades do sistema que não são obteníveis pelo somatório de suas partes (a “liquidez” da água não se explica pela soma das moléculas). Tanto num caso quanto no outro, não é possível compreender isoladamente as partes e, em seguida, somar essas compreensões para entender a qualidade emergente.

Em segundo lugar, sistemas abertos relacionam-se com seu ambiente e com outros sistemas, processando informação recebida e devolvendo informação. As “influências recíprocas entre sistemas” fazem com que a evolução do sistema seja “funcional-estruturalmente sensível ao ambiente” (Marcelo Neves, Entre Têmis e Leviatã, p. 20). Em casos como esses, as interações relevantes não se dão apenas no interior do sistema, mas sobretudo entre sistema e ambiente. Isso pode implicar que a compreensão do sistema dependa da compreensão do ambiente – embora não se satisfaça com ela.

Daí a importância da evolução teórica do modelo parte-todo em direção ao modelo sistema-ambiente. A noção de parte-todo depende de uma compreensão das partes como algo “físico”, “reificado” (Andrea Pitasi, A systemic sociological theorem of global evolution, p. 95), e portanto uma compreensão estreita, senão distorcida, de sistemas dependentes de significações ou outros aspectos não físicos, como no caso do Direito. Para realidades não materializadas, como normas jurídicas (cada uma um complexo de textos, interpretações, costumes, disputas, imposições de sentido etc.), que estão dentro do sistema jurídico mas têm o seu conteúdo, em maior ou menor medida, ou ao menos potencialmente, dependente de interações com o meio, o modelo parte-todo é inadequado.

A relação do Direito com a sociedade e demais sistemas sociais é uma relação de diferenciação funcional (Luhmann), mas não de separação. Esse dado ontológico é essencial e levanta a questão epistemológica: separar o direito metodologicamente, abstraindo os demais sistemas sociais, longe de viabilizar, impede sua cognição. O significado de determinadas normas jurídicas pode depender, em maior ou menor medida, de elementos que pertencem ao ambiente do sistema jurídico (pense, por exemplo, nos conceitos de “família”, de “meio-ambiente equilibrado” ou de “monopólio” e “livre concorrência”). Em casos como esse, a compreensão do sistema depende da compreensão do meio – inclusive, eventualmente, de compreensão cientificamente especializada não jurídica (econômica, por exemplo).

Isso remete ao primeiro problema: em muitos casos, o significado da norma jurídica emerge das interações no interior do sistema jurídico-normativo e entre o sistema jurídico, o ambiente e os demais sistemas sociais. Nesses casos, o problema é complexo e sua solução depende de variáveis múltiplas, de alguma forma organizadas, e que não são analiticamente desprezíveis (Warren Weaver, Science and Complexity). É descabido pretender a compreensão desse significado mediante a redução da análise científica apenas ao ordenamento jurídico.

André Folloni

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

Sistemas sensíveis às condições iniciais – efeito borboleta

Um sistema linear e determinista não é caótico quando as regras que o regem permitem previsões acuradas ou exatas. Esse exemplo de sistema dinâmico não é caótico. Conhecendo os primeiros resultados (2, 6, 18; 2.1, 6.3, 18.9), podemos prever os resultados futuros após um número n de iterações, e suas evoluções são regulares.

Nos sistemas caóticos, essa previsão não é possível. Um exemplo clássico é o da equação logística quando o parâmetro é estabelecido em determinados números (4, por exemplo). Nesse caso, o resultado de iterações submetidas a regras deterministas é acíclico, e a sensibilidade às condições iniciais é tamanha que alterações mínimas nessas condições geram, após um certo número de iterações, comportamentos profundamente diversos e disformes:

Captura de Tela 2015-01-20 às 12.29.30.png-page-001

Captura de Tela 2015-01-20 às 12.29.45.png-page-001

Isso significa, por exemplo, que, se o parâmetro de crescimento de uma população é 4, o comportamento desse crescimento será conforme a primeira figura acima se a população inicial for 2, e conforme a figura abaixo se a população inicial for 2,00001. No início, o comportamento é similiar para ambas as populações iniciais; mas, após um determinado prazo, a diferença passa a ser relevante – quando não drástica. No tempo 25, por exemplo, tem-se uma oposição: a razão entre a população e a ponto de aniquilamento, com a condição inicial, 2 é próxima de 1; já na condição inicial 2,00001 é próxima de zero.

Nesses casos, na prática, é impossível prever o comportamento que o crescimento populacional efetivamente terá, pois qualquer alteração mínima nas condições iniciais do sistema provocará mudanças profundas e irregulares, portanto imprevisíveis, a médio ou longo prazo. Isso caracteriza sensibilidade às condições iniciais.

André Folloni

Publicado em Categorias da complexidade | Marcado com , , , , , | Deixe um comentário

Mecanicismo, matematicismo

Mecanicismo é uma forma de compreender o mundo, segundo a qual eventos ocorrem por razões, e essas razões são forças, no sentido físico da expressão. Assim, o movimento se inicia pela atuação de uma força sobre um corpo, e se mantém, até que outra força atue sobre o mesmo corpo inibindo o movimento. O movimento é determinado por essa força e, nesse sentido, mecanicismo e determinismo têm parentesco. Isso é uma lei, e a linguagem que expressa essa gramática, como diz Galileu Galilei, é a matemática (por exemplo: F = ma).

A complexidade não necessariamente abandona o mecanicismo nem o determinismo, tampouco a matematização, embora haja novas nuances nesses temas em ciências naturais.

Em ciências humanas e sociais, porém, as “forças” que atuam sobre as pessoas, gerando movimentos, são difíceis de serem compreendidas: instintos, pulsões, temores, sanções, convenções, conveniências, valores econômicos, gostos, amores, paixões etc. É de se supor que determinadas ações individuais e sociais decorrem de um jogo complexo de “forças” de várias espécies. Uma compra pode ser motivada por razões econômicas, mas também por pulsões irracionais, por conveniência social etc., por uma, duas ou mais dessas razões, inclusive antagônicas, somadas. Daí a dificuldade de se saber qual a razão “determinante”, se é que há alguma, em muitas ações. E, mais ainda, a dificuldade, às vezes impossibilidade, de estabelecer uma lei, expressa em fórmula matemática, para ações humanas e sociais.

André Folloni

Publicado em Categorias da complexidade | Marcado com , , , , | Deixe um comentário

Sistemas dinâmicos

Um sistema dinâmico é um sistema que muda com o tempo. Em sistemas complexos adaptativos, a mudança no comportamento do sistema pode emergir de interações entre seus agentes (Mitchell, Complexity, p. 15). É possível que, em certos sistemas dinâmicos, os agentes mudem obedecendo regras determinadas e simples, e isso leve a uma mudança significativa no sistema como um todo.

Nos sistemas dinâmicos matemáticos, como as funções iteradas ou as equações diferenciais, a regra que leva à mudança no sistema é simples e nunca é descumprida: é estabelecida pelo matemático e um número não a desrespeita.

Em sistemas sociais, como o Direito, a complexidade nos sistemas dinâmicos é muito maior e muito mais difícil de ser examinada e entendida para, com base nela, emitir previsões. O sistema normativo, por exemplo, só deve ser alterado mediante regras bem determinadas – só se faz uma lei válida, em princípio, mediante a aplicação de regras de produção legislativa já estabelecidas. O problema é que essas regras podem ser desobedecidas, inclusive sistematicamente; podem, também, ser interpretadas de muitas formas; podem ser trabalhadas pela doutrina e pela jurisprudência, de diferentes maneiras ao longo do tempo e do espaço; e assim por diante.

Quem quiser pode lembrar, aqui, a distinção entre ser e dever-ser: sistemas matemáticos seguem regras; sistemas físicos, químicos, biológicos, ao que tudo indica, também; sistemas sociais, econômicos, psicológicos, talvez, igualmente sigam regras, embora o elemento volitivo humano torne difícil estabelecê-las; sistemas jurídicos, no entanto, embora devam seguir regras, eventualmente não as seguirão.

Não há dúvida de que o sistema normativo é dinâmico. Mas, diferente de muitos sistemas dinâmicos matemáticos, as regras de mudança nem sempre são claras, podem ser descumpridas, podem ser distorcidas, manipuladas formal ou informalmente etc. Por isso, a complexidade manifesta-se em grau superlativo nas ciências humanas e sociais, e de forma potencialmente diferente em cada uma delas.

André Folloni

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário

O que é reducionismo?

A palavra reducionismo pode significar pelo menos duas situações diferentes, embora relacionadas.

Uma teoria é reducionista quando pretende explicar toda a complexidade de seu objeto recorrendo a um de seus aspectos. Assim, por exemplo, se quisermos explicar a sociedade por meio da luta de classes, exclusivamente, nossa explicação é reducionista, pois reduz a multiplicidade de relações sociais e econômicas a um de seus aspectos. Quem pretende explicar tudo o que envolve o Direito recorrendo apenas a uma teoria do poder fornece, também, uma explicação reducionista.

Ao mesmo tempo, uma teoria é reducionista quando é o resultado da divisão da realidade em partes menores, pretendendo explicar o todo pelo recurso à parte. Por exemplo: se divido a realidade física em partes cada vez menores, até encontrar quarks, e pretendo que, compreendendo os quarks, compreenderei toda a realidade física, minha atitude é reducionista. Da mesma forma, se reduzo a realidade jurídica à norma, e suponho que, compreendendo a norma, compreenderei o Direito, minha atitude também é reducionista.

É importante compreender que, de certa forma, reduzir é essencial a qualquer teoria científica. Mas entre reduzir e assumir uma postura reducionista vai ampla distância.

André Folloni

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário